Escrever para Si: não se trata de guardar textos na gaveta.

Você já ouviu falar que você é a sua primeira leitora ou o seu primeiro leitor? De fato, é verdade. Primeiramente, escritores artistas escrevem para se manifestar, para expor uma ideia que desejam compartilhar através do texto ou para expor sentimentos próprios...



E a motivação para tal manifestação pode ser um hobby, a paixão pela arte da escrita, um sonho pessoal ou apenas, a sensação de que em sua própria escrita, manifesta-se a própria existência. “Penso, logo existo”, pode ser para nós escritores, o “escrevo, logo existo”.

Chamaremos de “escrita para si” à escrita criativa que se prende nesse desejo de manifestação do autor ou autora. Seja porque ele ou ela querem falar sobre o que não foi dito ou repetir uma ideia consistente, a “escrita para si” está atribuída à consciência de que o escritor e escritora são artistas. E como todo artista, sua arte deve ter uma integridade genuína defendida.


Contudo, quando se trata de mercado editorial, muitas vezes, esta “escrita para si”, que é motivada mais pela necessidade introspectiva do escritor ou escritora, é sufocada pelas necessidades do próprio nicho. Se nós somos nossos primeiros leitores e escrevemos sobre aquilo que gostaríamos de ler, sobre o que sentimos necessidade de expressar, é um tanto cruel às vezes ter de adequar-se nas caixinhas.

As caixinhas, aliás, nem sempre são tão simples. Muito da frustração dos escritores e escritoras independentes com o resultado final da sua obra, está neste peso que há em produzir o que se tem vendido. Seja porque no fim da obra, o autor ou autora a percebe um Frank Stein, em que, interesses mútuos e variados do mercado foram sendo costurados sobre a obra, ao ponto de quem a escreve nem mesmo identificar-se com o próprio texto. Ou seja, por que, indo contra o próprio nicho, o autor ou autora optou pela fidelidade da própria natureza criativa, mas no fim do processo, seu livro não vende.
Vender livros é tarefa que exige da editora e dos seus criadores, a compreensão de que se é trabalhoso e necessita-se esforço no processo pós-publicação. É preciso reconhecer que muitas vezes, o tempo de voo daquela obra ainda não é o mesmo que se tem expectativa. 




Então, o posicionamento de objetivo do autor ou autora, bem como do editor ou da editora precisa ser nítido: quando você está na fase da escrita para si, o que você espera do livro? Ser um best-seller convencional? Ser o seu best-seller dentre os próprios livros? Ser um livro que se conecta aos leitores de uma bolha? Ser um livro que independente de quem vá ler, passe uma mensagem específica?

As expectativas impostas à obra por parte da editora têm de estar consoantes ao que o escritor ou escritora pensou desde o início com o manuscrito. Pode até sofrer interferências, mas é preciso captar a essência e mantê-la, do contrário, o livro se torna outro. E por isso, muitas vezes, para os escritores e escritoras independentes é tão frustrante o processo final da publicação. Afinal, eles reconhecem os próprios interesses em seu trabalho, mas, ou identificam pouco o público para quem falam, ou conhecem pouco o mercado editorial, ou fazem tudo sozinhos e perdem a potência do olhar de fora.

A satisfação do autor ou autora com a sua obra atravessa não só ao texto bonito, bem escrito, corrigido, bem diagramado... Trata-se também de saber que o próprio autor ou autora terá prazer no processo criativo, terá prazer em ler a obra pronta com orgulho do que fez, e repleto de gratidão por todos os envolvidos no processo. Para isso, a premissa mais importante, é a liberdade criativa do autor. Publicar para se tornar um best-seller é diferente. Existem outras nuances em torno dessa figura “best-seller” que para aquele que escreve e edita, é importante reconhecer. Nem toda obra será um best-seller e não há nenhum problema com isso.

Eis aí, a primeira amarra que os escritores e escritoras independentes precisam desatar na própria alma: a cobrança das comparações e do desejo de ser o ranking número um na Amazon. Porque esta cobrança nem sempre está alinhada aos desejos do autor, assim como, nem sempre está coerente com a proposta da narrativa e é um fator que precisa ser observado desde o começo, ao tratar a obra.

Então, eu pergunto a você escritora:

O que é mais importante para sua obra hoje? Chegar aos leitores que se fidelizam ao seu trabalho, ou chegar ao maior número de estantes e bibliotecas pessoais? Você precisa assumir a consciência de resposta para ambas as perguntas quando está escrevendo para si.

“Escrever para si” não quer dizer que tudo aquilo que será dito pelo autor ou autora não precise ser lapidado, ou melhor orientado pelo trabalho de uma preparação de texto ou orientação editorial. Na verdade, todo texto que tende a chegar às mãos de leitores devem passar pelas etapas editoriais que a ele se destinam. O que quero dizer, é que a “escrita para si” não termina nela mesma, a menos que você vá colocar o texto na gaveta. Ela não se basta dentro do mercado editorial, entretanto, precisa ser compreendida, explorada, respeitada. Nela, estão os interesses criativos que levaram o autor ou autora a criar a obra.

Quando um escritor ou escritora sabe qual o sentido da sua escrita para a própria obra, ele consegue replicar estes significados e crenças para o editor ou para a editora, onde, por meio do olhar profissional poderá orientá-lo/la às outras etapas cruciais de se escrever um texto: enxergar a escrita para o leitor e a escrita para a narrativa. Então, entendendo a obra pela ótica e interesse do criador, alcança-se o interesse do leitor possibilitando a ele interpretar o que foi dito.

Não sufoque a sua escrita artística para entrar em uma caixinha que não faça sentido a você. Assim como, não entre no hype apenas por estar nele. Se for para entrar na onda do mercado, deixe um diferencial, porque só a autenticidade se sustenta em longo prazo.

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 Texto originalmente escrito por mim para minha coluna na Literattis em maio de 2023.

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