Resenha #01 - Caminhos Errantes da Liberdade, Jorge Miguel.

 


Quando li esse livro, a primeira impressão foi de revolta. Revolta, pela nudez de toda uma realidade explícita, sem vergonha, nas páginas do livro. Meus pensamentos discordavam de início com a opinião do autor, mas após ler novamente com mais calma...



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Meus pensamentos discordavam de início com a opinião do autor, mas após ler novamente com mais calma, enxerguei o que de fato ele queria mostrar. Fiz uma análise geral e venho compartilhar com vocês. Devo muito de meu amadurecimento psicológico, literal e acadêmico a esse livro.

O prefácio. Nele já começamos bruscamente. É difícil a compreensão à primeira vista do pensamento do autor. Não por má escrita, pelo contrário escreve muito bem. Acredito que seja pela periodicidade apresentada e pelo uso da intertextualidade. 

Caminhos Errantes da Liberdade

Autor 
: Jorge Miguel; Editora : Passe Livre

"A liberdade é uma forma de autonomia que se inicia quando o homem, ousadamente, vai em busca da sua individualidade." - Jorge Miguel.

Jorge Miguel, escreve este livro em busca da realização pessoal influenciado por Freud, Marx e Russel (daí nota-se o grau de profundidade). O objetivo do livro é apresentar os caminhos que não devem ser seguidos mostrando como as escolhas erradas podem destruir a integridade individual. Na citação dele "em busca de como ser escrevi como não ser", fica claro esse objetivo.

J. Miguel também utiliza de autores como Erich Fromm, para expressar exemplificativamente sua opinião. No texto em que cita análises do livro de Fromm, "O medo à liberdade", Miguel deixa claro que a liberdade vem desde a expulsão de Adão e Eva do Éden (Texto Bíblico).

Miguel cita também o poema "A Alvorada do Amor" de Bilac, para comparar suas ideias. Tal poema demonstra a coragem e a felicidade do homem ao experimentar a liberdade. 

Neste livro de Jorge, os contos giram em torno de oito temas, para cada um, um conto :   Fundamentalismo, Necrofilia, Automatismo, Destrutividade, Narcisismo, Drogação, Sadismo (o qual interessei-me muito, é um texto rico) e Masoquismo (meu preferido de toda a coletânea, ainda mais rico que o anterior).

Partiremos aos contos, de fato. Então preparem-se para a diversão.


1º - "Faze depressa o que tens para fazer".


Nesse conto predomina o Fundamentalismo.
O enredo gira em torno de dois personagens apenas. Inácio, homem religioso que acredita e segue fielmente os dogmas cristãos. Dono de uma editora de livros religiosos conhece um dia Ulisses, um rapaz bonito e inteligente, também conhecedor do cristianismo. Ulisses se considera cristão, porém confronta-se frequentemente com os  ideais católicos e as sagradas escrituras. Inácio nunca tivera amigos e cria um enlace muito forte e indesejado com Ulisses. Vê na figura dele um inimigo, uma pessoa desprezível por seus ideais, indiretamente passa a observar Ulisses como alguém que deve salvar, mas tem medo.  Cria-se um sofrimento de Inácio pela relação conturbada com Ulisses, esse que sempre tenta provar o contrário das crenças do dono da editora. O ápice da história ocorre quando o fundamentalista se vê apaixonado pelo  outro rapaz , e mantendo a ideia de que o rapaz de aparência angelical é um demônio, não abandona sua religião, fé e crenças chegando até mutilar-se.

Na página 35, Ulisses afirma que "o mau é obra humana, Deus não castiga e nem prega a maldade,  temos todos o livre arbítrio em escolher bem ou mal" e isso torna-se novo confronto para Inácio.

O fato de Ulisses colocar o novo testamento como "história reinventada" sobre o antigo testamento, corrói com as dúvidas escondidas de Inácio. Em um trecho ele cita "Que vira ele em Ulisses? Nunca teve dúvidas religiosas antes de conhecê-lo".

Em suma, tanto um quanto o outro trazem verdades a serem ditas sobre a mesma religião. Inácio, que caminhou durante grande parte de sua vida à cegueira de suas crenças, na solidão, isolado do mundo como se aquilo fosse o correto, na verdade nada mais é do que um exemplo no homem medieval, o homem que não pensa por medo de ferir o que lhe foi ensinado ser puro. Já Ulisses, um ex-seminarista e que por vezes parece ser um anticristo é a figura exata do homem iluminista, antropólogo, porém com sua fé. Ele vem para mostrar que o homem pode ser feliz e pleno sem ferir o que diz a palavra de Deus. Tanto um quanto o outro não deixam de pecar, nem o revolucionário e nem o fundamentalista.

Eu poderia falar muito desse curioso conto, mas creio já ter falado demais e não quero "contar o filme antes de assisti-lo", se é que já não contei . Um conto surpreendente capaz de conturbar àqueles de psicológico fraco, principalmente se forem ligados ao catolicismo. Um conto que beira doses de horror ao chegar o tão esperado final.

2º - "Negro que te quero negro".


Neste conto tratamos da necrofilia. É um conto mais direto e objetivo, não tão devastador quanto outros, mas nem por isso menos  sombrio. Também tem como personagens dois jovens . Thânatos o principal e necrófilo,  Jeremias o amigo.

Thânatos é um adolescente comum, sem mistérios e sem revoltas, pelo contrário era nobre e muito solidário. Uma peculiaridade do jovem era o apego que tinha por cerimônias lúgubres, tais como velórios. Thânatos acompanhava da primeira à última palavra extasiado. A comadre de sua mãe tinha um filho doente, Jeremias, ao qual Thanâtos dedicava-se a cuidar sempre. De repente o psicológico do jovem feliz e compassivo veste-se de penumbra e frieza. O rapaz  sonha com o amigo tísico várias vezes e de todas essas vezes acorda deslumbrado e excitado. Com o tempo o simples fato de apenas pensar no amigo remexia com os hormônios do garoto. Todos os sonhos dele aparecem como uma profecia da breve morte de Jeremias que estava por vir, Thânatos depois destes sonhos era outro e visivelmente desequilibrado. Amava o amigo, desejava-o.  

Durante uma tarde o menino recebe a notícia de que o amigo estaria desfalecendo, ainda no hospital após todos os confrontos internos pela dor que sentia ao perder Jeremias, Thânatos ejacula involuntariamente diante o corpo morto e doente à sua frente. A curiosidade está no fato de que pela primeira vez isso ocorria com ele acordado, das outras vezes ainda que por um sentimento desconhecido que tinha pelo amigo, o "acidente" ocorria enquanto ele dormia.

Não foi pela morte do amigo que a necrofilia de Thânatos fica evidente, mas sim pelo seu psicológico, sua forma de vida, e principalmente seus sonhos. Tudo isso são um elo entre as mudanças corporais, ideais, dúvidas e medos de um garoto adolescente mudando de fase.

3º - "Vem por aqui, eu vou por aí."


Neste, veremos o automatismo.

Um conto muito gostoso de ler . Retrata toda a dúvida de um personagem sobre sua própria individualidade. Um personagem que não sabe o que ou quem é.  Servidor público, um contador de meia idade que é convidado à uma suposta exposição de vinhos do porto, acaba sendo direcionado a um endereço onde ocorre uma demonstração de hipnose, dirigida por um Frei Franciscano que palestrava sobre coisas sobrenaturais, fenômenos e parapsicologia. Durante toda a demonstração ele observava curioso a tudo. 

Na página 77 do livro, precisamente no segundo parágrafo, o personagem reconhece que apesar de achar que o que ele próprio era, fosse genuíno, percebe portanto que nada mais é do que um fantoche. E ainda mais adiante passa a reconhecer que gostava de ser uma cópia de seus colegas de repartição e de todos os quais convivia, até que torna-se sufocante a ele saber quem realmente era em sua essência. 

O autor coloca sobre o eu-lírico a seguinte frase "De repente eu quis saber qual das imagens era a minha. Olhei atentamente querendo identificar-me. Mas éramos todos iguais!" e a partir dessa afirmação todo o restante do conto torna-se claro : um homem em busca da sua identidade. O velho homem que descobre que  toda sua vida  foi uma representação guiada pelos outros enquanto suprimia suas verdadeiras vontades.

4º - "Luz não. Só as trevas dos cabelos dela".


O mais cruel dos contos. Relato cru, nu e real da Destrutividade.

Adolfo Aggres no auge de seus 80 anos decide contar sua história. E no início logo no primeiro parágrafo já deixa frisado "Não vai dar prazer a quem a lê. Pode também, não dar asco" . É uma história espantosa mas interessantíssima (como todo o livro) .

Posso afirmar que a revolta, no qual citei ter sentido ao ler o livro logo acima na apresentação, provém deste texto. Insano e medíocre. A mim causou asco, e certa admiração pela ousadia do autor. Entre tantas escórias e insultos é um texto fantástico e magnífico! Citando partes das falas de Adolfo Aggres espero conseguir pôr em palavras as sensações causadas, quanto menos falar desse conto melhor, assim aguça os extintos dos leitores.

Página 88 ; "O mundo lá fora sempre me apavorou. Então, procurei destruí-lo. Frente ao mundo, sempre me senti impotente, por isso, desde criança, cuidei de afastá-lo de mim, eliminando-o. A idade dá-me crédito e confiabilidade. Posso dizer tudo o que fiz." 
Percebam o ódio iminente do personagem para com o mundo. Ele começa a contar  suas façanhas cruéis a partir da infância.

Na época tinha seis anos de idade somente, quando diz ter destruído um presépio de natal feito por um colega do qual mais a frente relata odiá-lo por ser representante de uma alma  pura e artística. E relata o seguinte "Aquele presépio ameaçava minha vida. E eu o destruí ( Pg. 89)... Não era inveja. Era a vontade de destruir a primeira manifestação artística que me impressionou... Tudo que destruí é a soma da vida que não vivi ( Pg.90)". Diz ainda o personagem, que aos dez anos de idade esse mesmo colega era ainda mais insuportável, o primeiro aluno de todo o colégio, aquele voltado e enredado de grande prestígio onde fosse. Conta que em um dia foi nadar com ele, que o rio era a alma do amigo odiável.  Abaixo o trecho crucial desse desenrolar, leiam atenciosamente :


"O rio era sua alma. A vida seguia em função do rio. Era verão, mês de janeiro,  quatro anos depois que destruí o presépio. Como odiava este colega! Era um artista. (...) Compunha pequenas peças para representação teatral. Adaptava música de sucesso à letras que inventava. Nas artes plásticas era imbatível. No Sete de Setembro idealizou e executou sozinho o ambiente em que se realizaria uma atividade cívica. E só tinha dez anos ! Era inevitável. Tinha que morrer. Convidei-o a nadar. Seguia comigo alegre e festivo sem saber que se dirigia ao matadouro. Andava ao lado dele e, sem olhar-lhe o rosto, observei."


Resumindo, esse é o começo de uma armadilha muito cruel para uma criança de dez anos que mata outra afogada na correnteza de um rio. As confissões não param. Páginas a frente diz : 

"Atropelei uma criança que se vestia com uma camisa igual a do garoto que matei afogado."

O personagem também matava os outros por palavras. Todos os sonhos que a ele eram narrados, todas as felicidades vividas por outros, sempre encontrava algo a dizer que destruía tudo. Seu grau de insanidade, porém verdadeira, se dá também neste trecho : 

" A destruição é produto da evolução e da civilização. O assassino mata um homem, o louco mata uma dúzia de homens; o conquistador mata milhões de homens; Deus nos mata a todos."

Mas aqui começa o verdadeiro enredo : 

"Se odeio o mundo, odeio quem me trouxe a ele. Questão curiosa a história. Quando o filho mata os pais, estamos diante de tragédia, drama, horror nefasto. Quando os pais matam o filho, estamos diante da ordem, da revolução, da obediência. Orestes mata o pai e assume o poder sobre Missenas (...) Édipo mata o pai e casa-se com a mãe. Nunca foi tão amaldiçoado em toda a história. Contudo, Hércules, num infanticídio  impiedoso, mata os filhos que gerou com Mégara e só é lembrado como herói (...) Matar os pais é tragédia. Matar os filhos é santidade. Planejei matar meus pais vagarosamente. Comprei arsênico (...) Diariamente ministrava-lhes às refeições uma migalha do mineral venenoso. Não suportaram trinta dias(...) Ele, mais fraco morreu dia 20 de outubro (...) Ela, mais forte, morreu seis dias depois. Não me arrependo. Só onde há túmulos é que pode haver ressurreição (...) O que foi mel para os outros, para mim era veneno. Nunca me arrependi do que fiz. (...) Aos quinze dias de envenenamento, minha mãe já havia percebido que eu  os estava  matando. Continuou a aceitar a comida que eu lhe dava, sabendo envenenada. Queria morrer. Colaborei. Lembro de vê-la morrendo num gemido de virgem violada. Seus cabelos eram negros... e eu amava as trevas dos cabelos dela."

Assim termina este conto. E creio que não há mais o que eu possa dizer. Adolfo mostrou sendo como a destrutividade, o ataque onde matamos ou destruímos o que nos ameaça. A ele, a vida e as coisas boas que ela trazia eram dispensáveis e odiáveis. Alegou legítima defesa em suas destruições e pensava fazer disso um grande favor às suas vítimas. 

De todos os contos da coletânea, é o mais palpável à realidade atual, pois mostra o lado de todo o ser humano, o lado predador que carregamos. Alguns, para coisas pequenas e para si mesmo. Outros predadores do mundo, ameaça aos indivíduos gerais e sem apresentação de motivo para tanto ódio.

5º - "O sol era a sombra de seus olhos". 


Neste, o narcisismo.
Izo é o nome do personagem central. Caracterizado com uma beleza extraordinária da qual o mundo estendia oportunidades inúmeras. Porém o mundo nunca lhe importara. Izo vivia sobre seu próprio eu, seu corpo, suas sensações. Como dito na narração : 

"Pensava assim: Se todos me comtemplam, por que não posso contemplar-me também?" 

Não era de nacionalidade brasileira, mas desejava isso. Ao lado de sua casa havia um escritório de advocacia, em um dia Izo recorre aos serviços do Dr. Tirésias, que desculpando-se afirma não ter horas vagas para atendê-lo no dia em questão. Há um confronto argumentativo entre ambos, e o advogado termina o diálogo dizendo ao rapaz estar à disposição, mas não naquele dia. 

Izo nunca tinha sido rejeitado e não se conformara por não ser atendido. Durante grande parte do enredo o autor frisa o amor próprio e único do personagem. O ápice surge a partir de uma namorada que algum tempo depois de estar junto a Izo, sendo a única coisa amada por ele além dele mesmo, diz a ele não amá-lo mais. Findado o namoro, o rapaz cai em depressão, e torna-se hipocondríaco. A hipocondria juntou-se à rejeição e Izo fica louco.

Resumidamente, Izo não viveu de fato pois admirou-se demais  e se esqueceu de correr atrás de suas metas, objetivos e até mesmo sonhos. Não deu valor às pessoas que o amavam, tamanha era sua cegueira. Não aceitava a rejeição de forma alguma, mas praticava rejeição para com os outros.


6º - "A travessia do rio Aqueronte".


Drogação.
O personagem relata sentimentos antigos pelo seu pai que servem como indício de revoltas internas que levaram-no a drogar-se. Contudo não percebe-se razões plenamente evidentes de terem lhe acometido tal fato. Como se o autor fizesse desse personagem, um vácuo, onde o leitor poderia colar a própria história, a própria interpretação.

O rapaz cai no mundo das drogas através da bebida, torna-se alcoólatra e em seguida adere ao uso de cocaína e crack. Ele tenta culpar seu pai, demonstrando sentimentos conflitantes como já comentado, por todas suas escolhas, porém não encontra argumentos, por isso seus motivos não são tão visíveis. Como todo jovem rapaz, teve seus sonhos, os quais abandonara para as drogas, apenas pelo desinteresse em viver. Uma única vez tentou livrar-se do mal, sendo acometido de derrota decide de fato viver uma vida inteira de falhas.


7º - " Barro nas mãos do oleiro" .



Sadismo.
Sadi é um homem sádico. Um homem fora de acusações visíveis de sua crueldade, vestia-se bem para seus empregos e portava-se naturalmente, era culto e redigia textos impecáveis. Era casado e torturava sua esposa em suas relações sexuais. É de fato espantoso. Seu primeiro emprego, o de segurança, demonstra em um dos relatos ocorridos no  trabalho, que algo no passado dele acontecera fazendo-o detestar ser enganado. Tal relato se deu em uma festa de adolescentes, onde à cargo do ofício ele exige o convite de um garoto que aponta para o colega de trás, afirmando que o convite estava com o mesmo, porém tudo não passava de mentiras. Então Sadi encolerizado segue o rapaz pela festa e em uma emboscada espanca-o até a morte.

Não muito distante de nossa atual realidade, não é mesmo?

Em outro ponto, Sadi prende a vaga em que ocupara no estacionamento do shopping, outro carro esperava-o sair de lá por ser a única que iria estar disponível. Apenas pelo prazer de assistir a irritação de quem esperava-o, ele então demora fingindo verificar coisas no porta-malas. Controlou por quinze minutos a vida daquele homem que aguardava e isso acometia-o de estupendo gozo.

Folheando um pouco mais, em seu emprego fora designado por seus diretores a distribuir vale-transporte e vale-refeição em véspera do feriado de Corpus Christi para os demais funcionários, gozava de confiança. Quando avista um senhor de oitenta anos, digno de caridade, o qual necessitava muito dos tickets, Sadi diverte-se à suas custas, inventando desculpas que impossibilitavam o senhor de gozar de seu direito, ora dizendo que o expediente encerrara, que os vales tinham sido perdidos,  e ainda mais cruel, disse certa vez que cancelaram o direito dos vales do velhote, pois esse muito pobre, vendia-os para comprar mais comida.

Sadi sabia disfarçar seu caráter sádico, visto que em um exame psicotécnico fora aprovado em primeiro lugar, pois o exame exigia de uma mente o contrário do que era a mente daquele homem.

Um texto encantadoramente intrigante. Nele, eu espelho muitas respostas para atitudes corriqueiras e violentas do dia a dia. Vale a pena ler com vontade, com sede e fome literária.

8 º - "Quem tem lágrimas, prepare-se para derramá-las" . 


Masoquismo.
Esse foi o texto que eu mais gostei. Na época em que eu lera-o identifiquei-me muito. Não, eu não sou masoquista, mas a personagem apresenta o psicológico muito solícito. Não se trata de alguém que tem prazer em sofrer dores. Essa personagem é o típico "pau mandado". Nada contesta, tudo aceita, abre mão de seus gostos e felicidades pelo bem do outro. E nisso é que eu me identificara. Enfim, talvez somente lendo e conhecendo-me para compreender.

Salma é masoquista justamente por saber o que é melhor para ela, saber que tem suas opiniões e direitos, mas escolhe o bem do próximo ao seu próprio em todas as circunstâncias, acreditando estar feliz com isso.

O texto inicia em "Salma sempre se julgou inferior, impotente e insignificante (...) Mas não era feia nem desprovida de inteligência". Na página 161, uma das primeiras do conto, fica evidente o "comodismo" de Salma.

"Você será minha. — Igor,  seu namorado diz à ela .
 — Porque tem tanta certeza?  Ela pergunta.
— Porque tens jeito de tímida e reservada.
— E a timidez lhe agrada?
— O tímido é cauteloso, vê perigos inexistentes e nunca se atreve."


Salma assusta-se e cala-se. Igor pede para que ela nunca deixe de ser tímida e ela promete.  A figura autoritária de Igor, não deixava que Salma se despertasse. O autor também mostra que ela adorava a escola onde estudava, pois nela os alunos é quem comandavam, o único ambiente no qual a jovem não acatava ordens. Seu prazer em obedecer e ser comandada vinha da consequência que isso gerava, agindo assim, Salma tinha segurança. Um exemplo: em seu quarto, haviam seis relógios na parede, pois assim ela assegurava-se de nunca perder as horas.

O ápice do conto, ao qual estou corroendo-me os dedos para não revelá-lo, se dá por um diálogo entre Igor e ela, onde fica claro que ela busca um caminho de santidade sendo submissa a ele e que ele não aceita sua submissão, pois é sádico e seu prazer vem do sofrimento obrigatório. Neste dia eles tem relações sexuais, Salma era virgem e ela mesma procurara esse propósito, onde Igor é violento e machuca-a. A partir daí ela passa a perceber seu masoquismo.

Salma  começa a arrepender-se de nunca ter vivido e sempre obedecer. Sabia que sua segurança estava em Igor, mas também tinha consciência de que deveria deixá-lo, pois também conhecia a dificuldade que seria satisfazê-lo com seu sofrimento. Estava assustada com tudo o que vinha acontecendo entre eles. Pensando ser feliz ela era infeliz, vivia um mal e gostava disso.

Em suma, o masoquismo de Salma fora uma forma de automatismo, entretanto para ela, seu masoquismo começara quando ela percebeu sua infelicidade. Sentia-se segura com Igor e no entanto ele é quem necessitava dela. Relatos dos quais eu me recuso a contar, para não perder a graça,  mostram isso. Igor era infiel à ela por não amá-la. Porém tinha poder sobre ela, e o poder era uma forma de libertação, libertação essa de uma doença que ele tinha. A mulher era a única pessoa na qual Igor cuidava ao invés de cuidar-se. Até ficar só, e precisar de Salma, onde ele voltava a estar preso à sua doença.


Esta é uma indicação de livro, antiga já. Mas, sempre vale repostar! Se o lerem, ou já tiverem lido, não deixe de comentar aqui comigo! 




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